segunda-feira, 26 de maio de 2008
Embarque da Família Real em 1807. Museu Nacional dos Coches, Lisboa.
Em 1804, grande parte da Europa estava sob o domínio de Napoleão Bonaparte. O empecilho ao Império de Napoleão na Europa era a Inglaterra, que, por seu poderio econômico e por sua supremacia naval, tinha supremacia sob a França. Com a finalidade de alcançar seus objetivos, Napoleão decretou o Bloqueio Continental a Inglaterra. Bonaparte buscava, assim, acabar com a economia inglesa e ascender a francesa.
O bloqueio de 1806, deveria ser aderido por todos os países da Europa principalmente por países com portos, especialmente os de Portugal. O Acordo de Tilsit, firmado com o tzar Alexandre I da Rússia, em 1807, garantiu a Napoleão o fechamento do extremo leste da Europa. Só faltava a adesão portuguesa em fechar seus portos de Lisboa e do Porto, por acordo o força militar. Todavia, o Governo de Portugal não se submetia ao Bloqueio Continental devido à sua aliança com a Inglaterra.
Então, no fim de 1807, Portugal vivia um período complicado sob um jogo diplomático com a França. No cenário internacional, os embaixadores da França e da Espanha romperam relações com Portugal e chegou a Lisboa a notícia de que o general francês Jean-Andoche Junot, com um exército de 25000 homens, marchava pela Espanha em direção à fronteira portuguesa. Além disso, já vinha sendo estudada a viagem da corte portuguesa ao Brasil. Os cuidados com essa se intensificaram quando a nau Plantagenet, trazendo o jornal francês Le Moniteur de 11 de novembro chegou. Dom João VI leu o jornal em 24 de novembro de 1807. No periódico havia o anuncio que “a Casa Bragança havia cessado de reinar sobre a Europa”, código para dizer que o jogo diplomático havia terminado.
Em três dias a partida da corte foi acertada. Foi preciso preparar naus e combinar com a aliada Inglaterra a escolta marítima que lhe fora prometida. Então, a esquadra portuguesa, escoltada por navios de guerra britânicos, partiu em 27 de novembro de 1807.
Imaginem uma viagem em navios apertados, com muito mais passageiros do que normalmente levam, com pouca água, péssima comida, náuseas quando ventava, surtos de doenças quando parava. Foi isso que ocorreu em noventa e nove dias, o período que durou a penosa travessia desde Lisboa até São Sebastião do Rio de Janeiro, exceção feita à escala em Salvador.
Devido à escassez de documentos, não se sabe ao certo quantas embarcações continha a esquadra real. Estima-se que seja entre 30 a 56. A partida foi realizada em um dia chuvoso, houve grande aglomeração no cais do Tejo. Vários nobres não conseguiram embarcar devido à confusão das listas de passageiros. Muitas bagagens, prata, livros foram deixados no porto já que soldados de Napoleão chegaram e tentavam bombardeá-las.
Os tablóides ingleses fizeram piada do incidente, usando caricaturas de um frustrado Napoleão Bonaparte, ou "Boney", como o apelidaram.
Sabe-se que a nau chamada Príncipe Real levava o príncipe regente, seus filhos Pedro e Miguel e sua mãe, a rainha Maria I, e tinha capacidade para mais de mil pessoas. Para se ter uma idéia, somente para erguer sua âncora, eram necessários 300 marinheiros. A então princesa Carlota Joaquina viajava com suas quatro filhas no navio Alfonso Albuquerque.
Devido à imprecisão da quantidade de embarcações que tomaram parte da viagem, destacam-se as principais portuguesas e inglesas. Estima-se que constavam 8 naus, 4 fragatas 12 brigues e uma galeota, acompanhada de 31 navios mercantes com mais de 15.000 pessoas, comandada pelo chefe de esquadra Manuel da Cunha Souto Maior.
A seguir, as embarcações portuguesas e inglesas da esquadra.
- Portugal
- Nau Príncipe Real: Nau de 90 peças construída por Manuel Vicente Nunes no Arsenal de Marinha em Lisboa e lançada à água em 13 de Julho de 1771 com o nome de Nossa Senhora da Conceição. Oficialmente era navio de 80 peças, montava habitualmente 86, mas podia montar até 110 .As principais dimensões eram 61,27 metros de comprimentos de quilha, 15,17 de boca, 11,37 de pontal e 6,98 de calado. A sua guarnição era de 950 homens.O seu armamento era constituído por 30 peças de calibre 36 na bateria de baixo, 30 peças de calibre 18 no convés, 12 de calibre 9 na tolda e 2 de 18 e 6 de 9 no castelo mas em 1793 seria alterado par 36 peças de 36, 34 de 24 e 18 de 12.Em 1793 foi o navio-chefe da Esquadra do Canal comandada pelo tenente-general José Sanches de Brito.Em 1794, depois de modernizada, passou a chamar-se Príncipe Real.Em 1788-1800 foi navio chefe do almirante Marquês de Nisa durante as operações no Mediterrâneo.Em 1807, sob o comando do capitão-de-‑mar-e-guerra Francisco José de Canto e Castro Mascarenhas, partiu para o Brasil como navio-chefe da esquadra e levando a bordo a rainha D. Maria I e o Príncipe Regente D. João e o comandante-chefe da frota, chefe de esquadra Manuel da Cunha Sotto-Maior. Ficou no Brasil depois da independência em 1822.
- NAU AFONSO DE ALBUQUERQUE: Nau de 64 peças, construída por Manuel Vicente Nunes no Arsenal de Marinha e lançada à água em 26 de Julho de 1767, na presença dos monarcas, com o nome de Nossa Senhora dos Prazeres. As suas dimensões eram de 55,20 metros de comprimento de quilha, 13,35 de boca 10,46 de pontal e 6,37 de calado. O seu armamento era constituído por 26 peças de calibre 24 na bateria da coberta, 26 peças de 18 na bateria do convés, 8 de 9 na tolda e 2 de 18 no castelo. A sua guarnição era de 634 homens. Em 1797, depois de modernizada foi crismada como Afonso de Albuquerque. Participou nas Esquadras do Sul e na Esquadra do Oceano do Marquês de Nisa (1798-1800), onde era considerada como o navio mais ronceiro. Seguiu para o Brasil na esquadra que transportou a Família Real levando a bordo a princesa Carlota Joaquina, esposa do Príncipe Regente e outras infantas.Tinha como capitão o senhor Inácio da Costa Quintela. Ficou no Brasil depois da independência em 1822.
- NAU PRÍNCIPE DO BRASIL: Nau de 74 peças, construída por Manuel da Costa, foi lançada à água na Baía em 12 de Setembro de 1802.O seu custo foi de 233 620 977 reis.As suas dimensões eram de 58,23 metros de quilha, 14,74 de boca e 11,92 de pontal, e a sua guarnição era de 663 homens. Tomou parte na esquadra que em 1807 partiu para o Brasil com a princesa viúva dona Maria Francisca Benedita e dona Maria Ana, irmãs da rainha . Devido a avarias na mastreação nos primeiros dias de viagem, foi enviada para Inglaterra depois de desembarcar, em pleno mar os membros da Família Real que tinha a bordo.Ficou no Brasil depois da independência. Tinha como capitão o senhor Francisco Borja Salema Garção.
- NAU RAINHA DE PORTUGAL: Nau de 74 peças construída por Torcato José Clavina no Arsenal de Marinha de Lisboa e foi lançada à água em 28 de Setembro de 1791 conjuntamente com a fragata São Rafael e o brigue Serpente do Mar.O seu custo foi de 108 151 992 reis.As suas dimensões eram de 57,02 metros de comprimento de quilha, 14,41 de boca e 11,98 de pontal, a sua guarnição era de 669 homens e dispunha, como armamento de 28 peças de calibre 36, 22 de 24, e 16 de 12. Era considerado um navio de excelentes qualidades náuticas.Participou nas Esquadras do Estreito de 1793 e 1794 e na Esquadra do Oceano do Marquês de Nisa em 1788-1800. Seguiu para o Brasil em 1807 levando a bordo as filhas do Príncipe Regente, infantas D. Maria Francisca de Assis e D. Isabel Maria. Reconstruída no Arsenal de Marinha pelo construtor naval Manuel Luís dos Santos, entrou na batalha naval do Cabo de São Vicente, em 1833, fazendo parte da esquadra miguelista; tendo sido apresada pelos liberais, passou a designar-se por Cabo de São Vicente até 1848, data em que foi mandada desmantelar. Tinha como capitão o senhor Manuel de Souto-Maior.
- Nau Conde D. Henrique: Nau de 74 peças construída por Manuel Vicente Nunes, foi lançada à água em Lisboa em 1763 com o nome de Nossa Senhora do Pilar.A artilharia era constituída por 28 peças de calibre 36 na bateria inferior, 28 peças de calibre 18 na bateria do convés, 10 peças de calibre 9 na tolda e 2 peças de calibre 18 e 6 de calibre 9 no castelo.Em 1793 foi modernizada no dique do Arsenal de Marinha e passou a chamar-se Conde D. Henrique. Transportou para o Brasil os membros da Academia Real dos Guardas Marinha e ficou no Brasil após a independência daquele Estado. Tinha como capitão o senhor José Maria da Almeida.
- Nau Martim de Freitas: Nau de 64 peças construída na Baía por António da Silva, foi lançada à água em 29 de Janeiro de 1763, com o nome de Santo António e São José embora fosse também conhecida pelo nome de Santo António a Pérola da América.O seu custo, incluindo a artilharia, foi de 134 904 283 reis.A artilharia era constituída, em 1781, por 26 peças de calibre 24 na bateria inferior, 26 peças de calibre 12 na bateria do convés, 8 peças de calibre 9 na tolda e 2 peças de 12 e 4 de calibre 9 no castelo; dispunha ainda de mais 4 pedreiros de bronze de calibre 12.Em 1793 foi mandada artilhar com 26 peças de calibre 24, 28 de 12 e 12 de 9.Como principais dimensões tinha 53,33 metros de comprimento de quilha, 13,38 de boca, 11,25 de pontal e 6,37 de calado Participou na expedição contra Argel em 1784, e em 1794 depois de modernizada passou a chamar-se Infante D. Pedro Carlos, nome que alteraria em 1806 para Martim de Freitas.Integrou a esquadra que partiu para o Brasil em 1807 e, depois da independência daquele país foi integrada na sua Armada com o nome de D. Pedro I. Tinha como capitão o senhor dom Manuel de Menezes.
- NAU D. JOÃO DE CASTRO: Nau de 64 peças construída no Arsenal de Marinha de Lisboa por Manuel Vicente Nunes, foi começada a construir em Maio de 1764 e lançada à água em 1766 com a designação de Nossa Senhora do Bom SucessoO seu custo foi de 98 883 858,5 reis.O seu armamento era constituído por 26 peças de calibre 24 na bateria inferior, 26 de calibre 12 na bateria do convés, 8 de calibre 9 na tolda e 8 de calibre 12 e 4 de 9 no castelo. A sua guarnição era de 633 homens.Como dimensões principais apresentava 55,33 metros de comprimento de quilha, 13,38 de boca, 10,49 de pontal e 6,27 de calado.Participou na expedição contra Argel em 1784 e na do Rossilhão em 1793.Em 1800, depois de modernizada no dique do Arsenal de Marinha, passou a chamar-se D. João de Castro.Participou na expedição contra Argel em 1784 e na expedição ao Rossilhão em 1793.Partiu para o Brasil em 1807 com a esquadra que transportou a Família Real e ali ficou depois da independência daquele país. Tinha como capitão o senhor Manuel João de Lócio.
- NAU NOSSA SENHORA DO MONTE DO CARMO, A MEDUSA: Nau de 74 peças construída no Arsenal de Marinha de Lisboa por Torcato José Clavina e foi lançada à água em 24 de Agosto de 1786. As suas dimensões eram de 51,94 metros de comprimento de quilha, 13,65 de boca e 11,47 de pontal. A guarnição era de 663 homens. O armamento era, em 1793 de 28 peças de calibre 24, 32 de 18 e 8 de 9. Tomou parte na Campanha do Rossilhão como navio-chefe da expedição e fez parte da esquadra que transportou a Família Real para o Brasil em 1807. Ficou no Brasil depois da independência em 1822. Tinha como capitão o senhor Henrique da Fonseca de Souza Prego.
- Fragata Golfinho tinha como capitão o senhor Luís da Cunha Moreira.
- Fragata Minerva tinha como capitão o senhor Rodrigo José Ferreira Lobo.
- Fragata Urânia tinha como capitão o senhor José Manuel Menezes.
- Fragata Thetis tinha como capitão o senhor Paulo José Miguel de Brito.
- Brigue Lebre tinha como capitão o senhor Daniel Thompson.
- Brigue Vingança tinha como capitão o senhor Diogo Nicolau Keating.
- Brigue Condessa de Resende tinha como primeiro-tenente o senhor Basílio Ferreira de Carvalho.
- Corveta Voador tinha como capitão-tenente o senhor Francisco Maximiliano de Sousa.
- Escuna Furão tinha como capitão-tenente o senhor Joaquim Martins.
- Escuna Curiosa tinha como primeiro-tenente o senhor Isidoro Francisco Guimarães.
- Inglaterra
- Nau HMS Bedford tinha como capitão o senhor Walker.
- Nau HMS Marlborough tinha como capitão o senhor Moore.
- Nau HMS Hibernia tinha como capitão o senhor John Conn.
- Nau HMS Conqueror tinha como capitão o senhor Israel Pellew.
- Nau HMS Foudroyant tinha como capitão o senhor Thompson.
- Nau HMS London tinha como primeiro-tenente o senhor Thomas O’Neill.
- Corveta HMS Confiance tinha como capitão o senhor James Yeo.
- Nau HMS Monarch.
Vários ingleses falavam da bagunça que foi este embarque. "Os navios de guerra portugueses apresentavam uma aparência desleixada, por terem tido só três dias para se preparar para a fuga. Mais pareciam destroços que navios de guerra", descreve o irlandês Thomas O’Neill, tenente da Marinha britânica que presenciou a partida a bordo do navio de escolta London. No início da tarde, quando a esquadra portuguesa que deixava o porto se encontrou com os navios ingleses amigos, o comandante da escolta, o contra-almirante Sydney Smith, foi visitar o príncipe João e com ele conversou "na popa ostentando seu pavilhão, a única parte do navio livre de entulhos e aglomeração". Smith ficou preocupado: "Eles têm multidões de homens, mulheres e crianças, todos refugiados indefesos, um monte de bagagem a bordo, pouquíssimos marinheiros e não há água nem provisões para uma viagem de duração considerável".Assim, podemos imaginar o porque dona Carlota Joaquina chamava o Brasil de o Quinto dos Infernos. Essa foi, realmente, uma viagem infernal.
Segue abaixo um modelo da esquadra que trouxe a família real. [Encarte especial da revista Desvendando a História Especial.] Clique na imagem para ampliá-la.